Imposto de Renda do Médico Autônomo e o Risco de Execução Fiscal

 

O Imposto de Renda (IR) é uma classe de tributo de nome técnico “Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza”. Ele é cobrado a partir da “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” de renda de investimento, trabalho ou das duas coisas juntas ou proveito econômico seja de que natureza for. Explicamos esse tributo de forma didática em nosso artigo Imposto de Renda, Tributo ou Taxa?

A Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL vem “apertando o cerco” contra Médicos Autônomos, lavrando Autos de Infração, realizando Notificações de lançamento e instaurando processos administrativos fiscais para cobrança de Imposto de Renda (IR) por suposta omissão de rendimentos alegadamente pagos pelos tomadores de serviços dos Médicos Autônomos, que têm geralmente vários clientes pessoas físicas e jurídicas, bem como por suposta compensação indevida do IRRF.

A suposta omissão de rendimento e a alegada compensação indevida de IRRF geralmente têm como indício as divergências entre os informes de rendimentos.

Outro problema enfrentado por muitos Médicos Autônomos é o fato de, apesar de realizarem a entrega de suas Declarações de Rendimentos do IRPF, anualmente, sempre atualizando dados cadastrais como endereço residencial, e-mail e telefone móvel (WhatsApp), a FAZENDA NACIONAL simplesmente não realiza a intimação para a Impugnação, a defesa do Médico Autônomo no processo administrativo fiscal.

Então a Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL (PGFN) distribui Execução fiscal contra o Médico Autônomo, regra geral com a cobrança do Principal + Multa de 75% + Juros de Mora + “Encargo legal”. O valor total pode chegar a mais de 200% da suposta dívida fiscal alegadamente não paga pelo Médico Autônomo.

O que você vai ler aqui:

I – Do Cabimento da Exceção de Pré-Executividade
II- Da Nulidade do Lançamento por Cerceamento de Defesa Ante a Falta de Intimação
III – Do Evidente Excesso de Execução
IV – Da Contrariedade ao artigo 150, inciso IV da Constituição
V – Da Inequívoca Utilização do Tributo com Efeito de Confisco
VI – Princípio da Impenhorabilidade do Salário
VII – O que fazer além disso?

 

I – Do Cabimento da Exceção de Pré-Executividade

Se a Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL (PGFN) já distribuiu Execução fiscal e o Médico Autônomo não tem ou não pode oferecer uma garantia ao juízo, no valor total da dívida, condição necessária à apresentação dos Embargos à execução fiscal, o principal meio de defesa judicial do devedor de tributos, ele pode entregar uma espécie de defesa técnica que não exige garantia do juízo.

A Exceção de Pré-Executividade.

A jurisprudência predominante é no sentido de que é cabível a exceção de pré-executividade quando a) a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz e b) a decisão judicial pode ser tomada sem dilação probatória e é cabível a alegação de excesso da execução em exceção de pré-executividade quando esse excesso for evidente, conforme o Acórdão paradigma no REsp 1061759/RS:

“PROCESSO CIVIL. SISTEMÁTICA ANTERIOR ÀS LEIS N. 11.232/05 E 11.382/06. EXECUÇÃO. MEMÓRIA DE CÁLCULO. IMPUGNAÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. INTERESSE DE AGIR. PERDA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. REEXAME EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO AOS CÁLCULOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sistemática processual em vigor antes das alterações levadas a efeito pelas Leis n. 11.232/05 e 11.382/06 não aceitava, como regra, a insurgência do devedor contra o débito exequendo antes de garantido o juízo pela penhora. 2. Em algumas hipóteses, no entanto, utiliza-se a exceção de pré-executividade, fruto de construção doutrinária, amplamente aceita pela jurisprudência, inclusive desta Corte, como meio de defesa prévia do executado, independentemente de garantia do juízo. 3. A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória. Precedentes. 4. A alegação de excesso de execução não é cabível em sede de exceção de pré-executividade, salvo quando esse excesso for evidente. Precedentes. 5. A exceção de pré-executividade somente se justifica na medida em que puder evitar a constrição indevida de bens do indigitado devedor. Realizada a penhora, com a consequente oposição dos embargos à execução, a exceção de pré-executividade restará prejudicada. Não tendo sido possível evitar a constrição de bens, caberá ao devedor opor os respectivos embargos, nos quais deduzirá toda a matéria de defesa, esvaziando por completo o interesse na exceção de pré-executividade, que perde o seu objeto. 6. Na hipótese de haver decisão transitada em julgado no âmbito dos embargos à execução, não é possível o reexame de tema neles contidos em sede de impugnação aos cálculos, ainda que este incidente tenha se iniciado antes. 7. Recurso especial provido”;

As causas comuns do evidente excesso da Execução serão comentadas nos itens “Do Evidente Excesso de Execução” e “Da Inequívoca Utilização do Tributo com Efeito de Confisco” adiante.

II- Da Nulidade do Lançamento por Cerceamento de Defesa Ante a Falta de Intimação

O contribuinte deve tentar acessar a integralidade dos autos do processo administrativo fiscal que deu causa a Execução fiscal.

Na Exceção de Pré-Executividade, o contribuinte deve alertar o juiz acerca dos fatos e circunstâncias do procedimento fiscal na esfera da Administração pública que ou o impediu de se defender ou sua defesa não foi examinada com isenção.

Falta de intimação pessoal pela via postal com carta de aviso de recebimento (AR), telegrama, e-mail ou número de WhatsApp é uma prova (evidência) da nulidade do lançamento por flagrante cerceamento de defesa.

A FAZENDA NACIONAL é obrigada a agir em conformidade com o artigo 23, II do Decreto 70.235/1972 que “Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, e dá outras providências” e artigo 26 § 3º da Lei 9.784/1999 que “Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal”:

 Art. 23. Far-se-á a intimação:
II – por via postal, telegráfica ou por qualquer outro meio ou via, com prova de recebimento no domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo;
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

A falta de intimação do Médico Autônomo contribuinte para ele se defender em um processo administrativo fiscal sugere que a FAZENDA NACIONAL não zela tanto pelo devido processo legal em procedimentos fiscais contra sujeitos passivos pessoa física quanto o faz com grandes devedores pessoa jurídica.

A razão disso é que grandes devedores pessoa jurídica têm condições econômicas de realizar defesa em Execução fiscal e conseguem anular processos carentes de garantias constitucionais.

Do exame da Certidão de Dívida Ativa que fundamenta a Execução fiscal, o contribuinte deve verificar os valores cobrados a título de “Lançamento suplementar” do IRPF relativamente ao período da apuração e a Multa do lançamento suplementar, ambas os créditos fiscais constituídos por Auto de Infração e Notificações de lançamento realizados pelos Correios (AR), com a devida data da notificação.

O contribuinte deve procurar saber onde estava e quais informações cadastrais entregou à RECEITA FEDERAL DO BRASIL nessa data em questão.

 

III – Do Evidente Excesso de Execução

Imagine que a suposta dívida Principal é de R$ 40 mil (da qual o devedor jamais foi intimado). A Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL geralmente aplica Multa de R$ 30 mil (75%), Juros de Mora (sem informar a data inicial dos juros) e “Encargo Legal” que pode atingir mais de 50% da dívida principal.

A dívida total pode chegar a 4 vezes o Principal que sequer mereceu intimação (!!!):

Se por um lado a rubrica “Multa” não pode ultrapassar 75%, em conformidade com o artigo 44, inciso I da Lei 9.430/1996 que “Dispõe sobre a legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras providências”, por outro lado a ilustre Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL lança outras rubricas indevidas como Juros de Mora, que atingem mais de 100% do Principal (!), e o misterioso “Encargo Legal” (!!), de mais que 50% do Principal, transformando a divida do qual o contribuinte jamais intimado a se defender e Impugnar na via administrativa em evidente excesso de execução de mais de 200% (duzentos por cento) do Principal (!!!!).

Se mais de 200% do Principal não for evidente excesso de execução, nada mais será!

E os Juros de Mora e “Encargo Legal” seriam justos se o contribuinte, devidamente intimado na forma do artigo 23, II do Decreto 70.235/1972 e artigo 26 § 3º da Lei 9.784/1999, tivesse tido a oportunidade de prestar esclarecimentos ou pagar a dívida na época própria ou apresentar Impugnação.

Voltando a questão das divergências entre os informes de rendimentos como Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) versus comprovantes de rendimentos (Cédulas C) e contracheques, redigidos pelas fontes pagadoras pessoa jurídica e clientes diversos pessoa física, dos quais o Médico Autônomo contribuinte não tem controle algum, e que geralmente fundamentam a Execução fiscal, na hipótese de Médicos Autônomos com múltiplos clientes pessoa física e várias fontes pagadoras pessoa jurídica não podem ser acusados de omissão de rendimentos e compensação indevida do IRRF sem exame dos informes de rendimentos e perícia técnica contábil e porque suas ações ou omissões não foram dolosas, propositais, logo, não integram elemento do tipo penal sonegação fiscal.

Nem tampouco caracterizam ação ou omissão do contribuinte dos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964 que “Dispõe Sôbre o Impôsto de Consumo e reorganiza a Diretoria de Rendas Internas”:

Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.
Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art . 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

A aplicação da Multa de 75% do artigo 44, I da Lei 9.430/96 não se coaduna com o fato e circunstâncias da a) inexistência de ação ou omissão do contribuinte que caracterizem a sonegação fiscal dos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964; b) falta de intimação do contribuinte para se defender administrativamente; e c) lançamento de rubricas indevidas como Juros de Mora e “Encargo Legal” quando aumentam o Principal em mais de 200%.

Esse tipo de Execução fiscal pode configurar Utilização do Tributo com Efeito de Confisco.

IV – Da Contrariedade ao artigo 150, inciso IV da Constituição

Ao realizar Notificação de lançamento contra Médico Autônomo que não praticou sonegação fiscal prevista nos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964 ou ao deixar de intimar o contribuinte acerca do Auto de Infração, cerceando-lhe o direito ao contraditório, ampla defesa e Legítima Defesa da Renda, tudo para justificar a cobrança de multa, juros de mora e “encargo legal”, a ilustre Procuradoria-Geral da FAZENDA NACIONAL contraria o artigo 150, inciso IV da Constituição que veda a Utilização do Tributo com Efeito de Confisco:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

Não existe fundamento legal para a cobrança do débito fiscal excessivo e, mesmo que houvesse, na hipótese de cerceamento de defesa e/ou evidente excesso na cobrança são provas de utilização do tributo com efeito confiscatório, o que configura contrariedade ao indigitado dispositivo da Constituição.

V – Da Inequívoca Utilização do Tributo com Efeito de Confisco

Se a penalidade da multa de 75% do artigo 44, I da Lei 9.430/96 for aplicada sem que haja indícios de sonegação fiscal dos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964, há fortes indícios de utilização do tributo com efeito confiscatório.

Ainda mais se o Médico Autônomo não teve a chance de defender, de explicar as divergências entre os informes de rendimentos como Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF) versus comprovantes de rendimentos (Cédulas C) e contracheques redigidos pelas fontes pagadoras, dos quais o contribuinte não tinha controle algum.

O contribuinte não pode ter cerceado seu direito de defesa, especialmente de realizar perícia técnica contábil acerca de seus informes de rendimentos, sua renda efetiva e os tributos efetivamente quitados.

Entendemos que mesmo na hipótese de sonegação fiscal por omissão de rendimentos no período de apuração por divergências entre os informes de rendimentos dos quais o contribuinte não tinha controle, é hipótese que não está enquadrada nos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964, logo, não é justa a aplicação de penalidade, da multa de 75% do artigo 44, I da Lei 9.430/96.

A Multa de 75% só poderia ser aplicada se houvesse prova da sonegação fiscal, sem que houvesse erro dos informes de rendimentos ou erro na declaração de rendimentos tributáveis por conta da divergência dos informes de rendimentos, portanto não configuradas as hipóteses dos artigos 71, 72 a 73 da Lei 4.502/1964 que autorizariam a multa de 75%, configurando Utilização do Tributo com Efeito de Confisco.

Quando aplicada, a Multa de 75% pode ter apenas a aparência de legalidade porque de percentual no limite da lei, mas, perde sua essência de legalidade quando aplicada em caso e circunstância não prevista em lei (divergências entre os informes de rendimentos) e acompanhada de Juros de Mora e “Encargo Legal” abusivos que aumentam em mais de 200% a dívida.

A falta de justa causa, falta de intimação para defesa e o excesso na cobrança são circunstâncias que, isolada ou conjuntamente, demonstram o efeito confiscatório, o que é vedado pela Constituição.

VI – Princípio da Impenhorabilidade do Salário

Salários são impenhoráveis, conforme artigo 833, IV do Código de Processo Civil:

Art. 833. São impenhoráveis:
IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;

Se o Médico Autônomo teve seu salário penhorado por meio do acesso do juiz ao sistema Bacenjud, os valores devem ser desbloqueados considerando a natureza do crédito (fiscal, logo, não tem natureza alimentar), o bem penhorado (salário) e sua destinação (sustento do Médico e seus familiares).

Para levantamento dos valores objeto da penhora online, o Médico Autônomo pode perfeitamente invocar a tutela de urgência do artigo 300 do Código de Processo Civil, quando há elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

VII – O que fazer além disso?

Por meio de simples petição ou Exceção de Pré-Executividade, o Médico Autônomo deve requerer tutela de urgência para levantamento dos valores objeto da penhora online e a anulação da Execução fiscal por absoluto cerceamento de defesa ante a falta de Notificação pessoal do contribuinte em processo administrativo fiscal.

Se tiver condições de dar um bem ou realizar Depósito Judicial para garantia do juízo, no valor total da dívida, o contribuinte pode distribuir Embargos à execução fiscal, defesa técnica mais eficaz, e promover a produção das principais provas para sua defesa:

a) Acesso a integralidade dos autos do processo administrativo (RFB);
b) Entrega de Declarações de Rendimentos do IRPF concernenetes ao período de apuração, bem como os respectivos informes de rendimentos (Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte (DIRF), comprovantes de rendimentos/Cédulas C, contracheques, Recibos etc.);
c) Perícia técnica contábil por Contador forense para apuração de erro dos informes de rendimentos do período de apuração; eventual erro na declaração de rendimentos tributáveis por conta da divergência desses informes de rendimentos; e eventual recolhimento de tributos a menor;

 

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SOBRE O AUTOR

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Ney Gabriel Farias é diretor da RCF – Recuperação de Créditos Fiscais, empresa de Inteligência Tributária especializada em planejamento fiscal, sucessório e proteção de ativos financeiros. Como Advogado tributarista, tem pós-graduação em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia (2007) e ajuda empresas com soluções de redução das despesas fiscais, trabalhistas e previdenciárias.

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